Hoje trazemos no blog a descrição de um estudo de caso relatado pelo escritor e terapeuta alemão Stephan Hausner em seu livro “As Constelações Familiares e o Caminho da Cura”.
No exemplo descrito, e como tem sido estudado e visto por consteladores em todo o mundo, muito de nossos problemas de saúde podem ter origem nos emaranhamentos do nosso sistema familiar.
Falamos mais sobre isso em artigos do nosso blog e também nos Seminários especiais de Saúde Sistêmica que demos em Porto Alegre e Florianópolis neste ano.
É surpreendente notar, em constelações que envolvem o tema de saúde, como os sintomas se colocam à nossa disposição para direcionar nosso olhar para algo que precisa retornar ao seu equilíbrio dentro do nosso sistema.
O caso que iremos descrever aqui é um bom exemplo de como as constelações podem auxiliar no processo de tratamento de doenças, e como muitas vezes seus efeitos podem ser rápidos no alívio dos sintomas.
A ligação à primeira esposa:
“Agora vejo o que você carrega!”
(Paciente com adenoma da próstata)
Um paciente de 70 anos sofre de hipertrofia benigna da próstata. Embora padeça há vários anos de perturbações do sono, precisando levantar-se umas sete vezes por noite, continua firmemente decidido a recusar uma cirurgia. Depois de apontar para os riscos médicos, disponho-me a fazer sua constelação e informo-me sobre a sua atual situação de vida.
A constelação foi gravada e os diálogos são, em parte, literalmente reproduzidos.
PACIENTE: “Sou aposentado. Minha mulher é muito mais jovem do que eu, ela tem 45 anos. Tenho seis netos do primeiro casamento”.
TERAPEUTA: “Quando apareceram os sintomas?”
PACIENTE: “Há cerca de sete anos. Desde então foram aumentando progressivamente”.
TERAPEUTA: “Houve nessa época alguma mudança em sua vida?”
PACIENTE: “Aposentei-me há dez anos. Há oito anos casei-me com minha atual esposa, mas já nos conhecíamos há vinte anos”.
TERAPEUTA: “Então os seus sintomas apareceram cerca de um ano depois do casamento?”
PACIENTE: “Sim”.
TERAPEUTA: “Você tem filhos do primeiro casamento?”
PACIENTE: “Sim, três”.
TERAPEUTA: “Como está sua primeira mulher?”
PACIENTE: “Eu me casei ainda uma segunda vez; minha atual esposa é a terceira. Eu já a conhecia quando decidi casar-me com minha segunda esposa, por motivos que, pensando bem, não consegui compreender”.
TERAPEUTA: “Existem filhos com a segunda mulher?”
PACIENTE: “Não”.
TERAPEUTA: “Por que você se separou da primeira esposa?”
PACIENTE: “Eu tinha dificuldade de conviver com a sua permanente insatisfação. Eu mesmo fiz várias terapias e com isso mudei muito. Finalmente nos separamos e cada um foi para o seu lado. Partilhamos a tutela dos filhos e conseguimos resolver bem os assuntos deles.
TERAPEUTA: “Está certo. Comecemos com a situação presente, colocando representantes para você e para sua esposa atual”.
O paciente escolhe os representantes e coloca a esposa à esquerda do marido. Eles se olham brevemente e trocam sorrisos. Pergunto-lhes como se sentem.
O representante do paciente comenta: “Tenho uma agradável sensação de calor em relação à minha mulher. Olho com prazer para ela e sinto-me muito bem”.
A representante da mulher corresponde ao sentimento do marido: “Tenho uma sensação semelhante. Também tenho uma sensação de calor, vejo-o mas também me sinto livre para olhar para a frente”.
TERAPEUTA: “Isso parece muito bonito!”.
PACIENTE (sorri): “Não é mesmo?”.
TERAPEUTA: “Não me fio totalmente nessa paz. Por favor, coloque alguém para representar sua primeira mulher!”.
O paciente escolhe uma representante e a coloca à direita do representante dele, a uma certa distância, olhando para o casal.
TERAPEUTA: “Alguma coisa mudou para vocês?”.
O representante do paciente observa: “Gostaria de aproximar-me um pouco mais de minha primeira mulher. Agora ela me atrai mais do que a esposa atual”. Dizendo isso, dá um passo na direção dela, ficando mais ou menos à mesma distância de ambas.
Voltando-me para o paciente, pergunto: “O que você acha disso?”.
PACIENTE: “É interessante!”.
Pergunto ainda à representante da atual esposa como ela se sente. Ela responde: “Quando vi a primeira esposa senti-me ainda mais próxima do meu marido. Mas quando ele se afastou de mim não foi bom. Meu olhar continua livre mas não me sinto bem quando olho para a primeira esposa”.
A representante da primeira mulher informa: “Estou cambaleante e sinto que algo me puxa para baixo”.
Nesse ponto desejo ver como as pessoas consteladas reagem ao sintoma do paciente, isto é, se o sintoma provoca mudanças nas reações dos outros representantes. Para isso peço ao representante do paciente que retorne à sua posição inicial ao lado da atual esposa, e peço ao paciente que introduza alguém para representar o seu sintoma. Ele escolhe um homem e posiciona-o diretamente voltado para o seu próprio representante.
TERAPEUTA: “O que muda com isso para vocês?”.
REPRESENTANTE DO PACIENTE: “Estou pensando se isso me incomoda ou não. De uma certa maneira eu me sentia melhor antes, quando ele não estava presente, mas não tenho a sensação de que o sintoma é ameaçador.
O que mudou é que não existe mais o impulso de me aproximar da primeira esposa. Voltei a ter a sensação quente e agradável em relação à minha atual esposa”.
Volto-me para o próprio paciente: “Parece que com o sintoma é mais fácil para você ficar feliz com a atual esposa”.
PACIENTE: “Minha primeira esposa me atrai muito. Quando me separei da minha segunda esposa, ela esperava que eu voltasse para ela”.
TERAPEUTA: “Pela sua reação corporal quando a mencionei anteriormente na conversa, foi possível ver que algo está aberto entre vocês. Relacionamentos vivem da troca entre o dar e o receber. Quando um parceiro está menos ligado e, consequentemente, mais disponível que o outro, às vezes um sintoma cria a necessária distância. Assim, o seu sintoma não atua prejudicando o seu terceiro casamento, mas estabilizando-o”.
PACIENTE: “Talvez exista alguma outra forma de estabilização!”.
TERAPEUTA: “Bem, vejamos o que dizem os representantes. Como está a primeira esposa?”
REPRESENTANTE DA PRIMEIRA ESPOSA (sorri): “Para mim está bem. Isso me tira um peso das costas. Eu lhe concedo isso!”, (aponta para o representante do sintoma)
Relacionamentos vivem da troca entre o dar e o receber. Quando um parceiro está menos ligado e, consequentemente, mais disponível que o outro, às vezes um sintoma cria a necessária distância. Assim, o seu sintoma não atua prejudicando o seu terceiro casamento, mas estabilizando-o”.
Stephan Hausner
TERAPEUTA (para o paciente): “Isso me dá a impressão de que você realmente não recebeu a bênção para ser feliz com sua atual esposa. Como se sente o representante do sintoma?”.
REPRESENTANTE DO SINTOMA: “De vez em quando senti-me atraído para ficar mais perto. Enquanto ele precisar de mim estou aí!”.
TERAPEUTA: “Como está o representante do paciente?”.
REPRESENTANTE DO PACIENTE: “Bem, o sintoma absolutamente não me incomoda. Pelo contrário, volto a sentir-me muito bem com minha esposa. A sensação inicial de calor retornou. De fato, continuo a ver pelo canto dos olhos minha primeira esposa, mas já posso olhar em frente e ela não me incomoda mais”.
Nesse ponto intervenho na constelação e peço à representante da primeira esposa que troque de lugar com o representante do sintoma.
Dessa maneira, a primeira esposa do paciente fica diante do olhar dele. Questionada como se sente nesse lugar, ela responde: “Estou muito magoada!” Quando me volto para o paciente, ele confirma: “Eu sei, e até hoje não foi possível mudar isso”.
Sugiro-lhe que agora ocupe sua posição na constelação. Quando ele toma o seu lugar, a representante da primeira esposa começa a chorar. Quando o paciente diz: “Estou perplexo!”, o representante do sintoma comenta: “Quando ele diz isso volto a ter uma agradável sensação de calor e a vontade de chegar mais perto”.
Eu confirmo: “Isso faz sentido, pois no fundo você já era uma solução!”.
À minha pergunta à representante da primeira esposa, se existe algo que o ex-marido possa fazer, ela comenta com um suspiro: “Ele já fez o bastante. Já não consigo olhar direito, sinto que fui deixada só”. Isso torna claro que o peso que ela carrega provém de um outro lugar, provavelmente de sua família de origem.
Assim pergunto ao paciente o nome dela e lhe sugiro estas palavras: “Querida M., agora vejo o que você carrega e respeito isso”. Quando ele diz essas palavras, a representante da esposa contesta: “Não acredito nele”.
O paciente confirma, resignado: “É verdade, ela não vai acreditar em mim”.
TERAPEUTA: “Vê-se que por trás dela atua muita coisa pesada, proveniente de sua família, e, no fundo, você não tem muito a ver com isso. Contudo, caso você não respeite isso, ela não vai liberá-lo. O que você sabe sobre a família dela?”
PACIENTE: “Os pais se divorciaram quando ela era pequena. O avô era uma pessoa excêntrica que aos 38 anos foi compulsoriamente aposentado e passou o resto da vida trabalhando numa pequena horta. Ela foi sempre muito ligada a ele”.
TERAPEUTA: “Não vou investigar este assunto. O essencial é que, se você puder respeitar o que ela carrega, ela vai olhar para você. Isso é o que me parece possível no presente contexto”.
PACIENTE: “Para mim está bem. Com isso desaparece uma insatisfação e uma desconsideração de vários anos. O fato de ela olhar para mim seria algo realmente novo”.
Na manhã seguinte o paciente conta com satisfação que há muito tempo não passava uma noite tão tranquila, e que foi ao banheiro apenas três vezes, em vez das seis ou sete habituais.